sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Porque não se passa rigorosamente nada no comboio #2

"Saber muito das mulheres é ser capaz de expulsar delas sete demónios; o resto é não saber nada." - Agustina Bessa-Luís

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Devaneios de comboio #4 - Frases compridas

Sempre gostei de frases compridas. E as frases compridas sempre foram a minha morte.

Frases compridas é fazer caber todos os pensamentos (e os meus são tantos!) e todos os sentimentos (tantos também) no mais curto espaço temporal possível. É uma urgência em querer tudo ao mesmo tempo, mesmo que se fique sem ar, mesmo que os outros não percebam nada e mesmo que no fim não haja mais nada para dizer e permaneça um silêncio tóxico que por si não semeia nada a não ser estranhamento. É pior ainda quando não se utilizam vírgulas, ou se utilizam vírgulas a mais.

Podia estar a fazer disto uma metáfora. Mas não estou. Estou mesmo a falar de frases compridas.

Vou-me deixar delas.

Catarina Vilas Boas

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Devaneios de comboio #3 - A co-adopção e a adopção plena homoparental

Nunca, em toda a minha vida, tive qualquer tipo de preconceito em relação à homossexualidade. Não digo isto porque é bonito de se dizer, digo porque é verdade. Ok, ao crescer, tive uma fase em que tinha nojo de beijos, de sexo e de pessoas nuas na tv... Tapava os olhos para não ver. Mas isso acontecia quer fossem homens com mulheres, ou mulheres com mulheres, ou homens com homens... ou qualquer outra variável.

Hoje em dia, nada disso me impressiona. E não sou nada confusa em relação ao tema da homossexualidade ou a outros vulgarmente considerados tabu. Falo de tudo com todos tão abertamente como falo de política, música ou futebol. Não sei se vem da minha educação... Recordo-me da minha mãe, não sei agora em que contexto, me ter dito que se fosse lésbica era lésbica e acabou e o que interessava era não apanhar nenhuma doença. Também falou comigo sobre sexo, sobre masturbação, sobre pobreza, sobre racismo, sobre pedofilia, sobre violência doméstica... Em minha casa foi sempre assim. Falou-se de tudo quando tinha que se falar.

Numa aula qualquer debatemos o referendo. Se o achávamos necessário. Eu disse que não. Uma colega saltou logo revoltada com um "porque isso é que é a democracia" e um "estarmos a dizer que não queremos referendo é dizer que as pessoas não podem decidir sobre si".  E eu pergunto (e perguntei-lhe a ela também): porquê?

  • A democracia não exige igualdade? Sim. 
  • Houve referendos sobre a adopção por parte de casais heterossexuais? Não. 
  • Então porque hão-de agora proceder de forma diferente? Ahh e tal porque é o futuro das crianças que está em jogo, porque é muito esquisito para uma criança ter duas mães ou dois pais, porque os colegas vão gozar com eles, etc, etc (paleios de saco).

As crianças precisam de amor e querem-no sem olhar a sexos! Precisam de estabilidade emocional, do abrigo familiar, de carinho, de afectos e, acreditem, não os vão recusar à pala de preconceitos. Os colegas podem ser cruéis, é verdade, mas as crianças são fortes o suficiente para desviar balas e bullyings. Têm essa capacidade. Todas. Precisam somente de alguém que as estimule e lha fomente. E vão ter isso mesmo em casa, com pais (ou mães) dedicados. E quem adopta no nosso país, com todo o tempo de espera e burocracia que isso acarreta, está destinado a ser um pai dedicado.

Escândalos como o da Casa Pia provaram que as instituições não conseguem dar resposta a necessidades tão básicas como a protecção de agressões físicas, quanto mais a falhas que não deixam marcas no corpo. Há algumas, com certeza, que fazem o melhor que podem. Mas o melhor que podem não é suficiente. Miudos de 18 anos são postos no mundo selvagem sem bases, sem estrutura, sem que alguém lhes tenha indicado o caminho certo na hora certa e lhes tenha castigado as decisões erradas tomadas em quase todas as horas. Sem eira nem beira psicológica. Não era melhor terem duas mães ou dois pais em vez de nenhum? 

Eu sou a favor da co-adopção e da adopção plena por parte de casais do mesmo sexo. Acredito que devia existir e pronto. Sem referendos e sem merdas! Mas lá está, eu não sou uma pessoa confusa. E, infelizmente, Portugal está cheio de pessoas confusas.

Catarina Vilas Boas

P.S.: Aos mais confusos, aconselho a leitura dos seguintes testemunhos.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Do rio das flores

Tenho-o desde 2007. É uma primeira edição (nem sei se existem mais) e apareceu na minha vida graças a um "Vou comprá-lo" que deixei escapar em frente aos meus pais. Não ia nada. Era caro! Com aquele dinheiro comprava um vestido, ou uma camisola, ou umas calças.... Mas disse-o em voz alta e os meus pais nunca gostaram de me ver com desejos literários por realizar. Estávamos perto do Natal, por isso tive-o debaixo do pinheirinho.

Nunca o li. E mesmo assim já passou por tantas! Um primo meu riscou uma quantidade deprimente de páginas a lápis de cera cor de laranja. Nada de mais. Continua legível. Servem aqueles rabiscos para me lembrar da consideração que os membros da minha familia sempre tiveram por mim. Mas sempre que penso nisso fico triste. Não pela minha família e muito menos por mim! Mas pelo livro. Que sem nunca ter sido lido já carrega marcas tão profundas de alienamento, de rejeição, de desprezo. Como que amaldiçoado de pura insignificância.

Mas não é assim! Eu quis lê-lo! Tantas vezes que não as consigo contar pelos dedos das mãos. Esteve comigo em alturas muito importantes da minha vida. Mas sempre longe, nunca aberto, nunca explorado. Foi comigo para a praia, para o rio, para o pinhal, para o monte, para o Gerês. Foi comigo para a escola, para a faculdade, foi comigo morar fora de casa. Carreguei-o comigo incontáveis vezes- e olhem que ele é bem pesado! - e nunca o li...

Mas já chega. Sempre que o via ali, na minha mesinha de cabeceira, a suportar uma pilha vertiginosa de livros que quero mas que nunca começo a ler, a culpa corroía-me a consciência como um charro!

Hoje levei-o comigo para o comboio e não tive cabeça nem ouvidos para mais ninguém. 7 anos depois vou finalmente ler, do início ao fim, com total exclusividade e dedicação, o Rio das Flores de Miguel Sousa Tavares.

Ou eu não me chame Catarina Vilas Boas. Leite.

Catarina Vilas Boas

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Este post era para ser sobre o Zé Pedro

Lembram-se do Zé Pedro? Não vão acreditar, mas voltou a aparecer no comboio. Será que é o homem da minha vida e Deus me quis dar um sinal?

Não sei... Mas hoje estava a cantar em francês. Internacionalizou-se! Fiquei também a saber que ele era da polícia judiciária. Mas passados 5 minutos já era ministro. Acredito! Já vi cargos a acontecerem mais rápido do que isso, em Portugal. E também já vi ministros com capacidades cognitivas em pior estado do que as do Zé Pedro. 

Este post era mesmo para ser sobre ele! Mas enquanto escrevia isto, uma senhora, sentada no cubículo ao lado, chamou por mim ("oh menina, desculpe") e disse-me que eu era muito linda e para amar muito a minha mãe (entre outras coisas). Eu até pensei que ela não estava a falar para mim! Não é que não ache que seja linda!! Mas é que, enquanto ela dizia isso, olhava para o banco vazio à minha frente!! E eu fiquei sem saber bem a quem é que ela se dirigia...

Agradeci na mesma!! Não é todos os dias que se recebem elogios desses! 

Se calhar viu-me a aura! Que merda!! Ela não estava nada assustada! Devo ter uma aura cor-de-rosinha, tipo princess. E eu que sempre sonhei ter uma aura negra como a noite, estilo emo.

Que decepção. 

Catarina Vilas Boas

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Vi uma vaca no comboio

Quando penso que já vi de tudo no comboio e que vou dar descanso a este blog, eis que surge mais uma criatura que, na vastidão das carruagens, é arrastada até mim pelo destino. Boys apetitosos que é bonito - nada! É só desgraças! 

Esta comia de boca aberta. Parecia uma vaca a ruminar! Por momentos pensei, levada pela minha fértil imaginação, que existia uma fada aprisionada na sua boca que estava a emitir um pedido de socorro em código morse. Mas não, era só ela a comer uma maçã. 

Nunca aquela maçã imaginou acabar assim! Triturada em praça pública como uma maçã qualquer!! Ela não era uma maçã qualquer! Ela tinha pedigree!! Sumarenta. O sumo daquela real maçã escorria pela cara da moça abaixo. Vermelhinha. De um encarnado cor de sangue e de polpa esbranquiçada, misturados, na sua hora final, numa papa semi líquida, semi grumosa, na boca da indivídua. Eu vi! Ninguém me contou.

Vamos todos dedicar um minuto de silêncio àquela pobre maçã! E à moça que a estava a comer também, que ela bem precisa, coitada.


Catarina Vilas Boas
A minha escrita já não é o que foi em tempos. Essa é a triste e dura verdade.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Devaneios de comboio #2 - O Eusébio

Começo por dizer que sou portista. Mais vale expor essa espécie de conflito de interesses à priori que é para não dizerem que andam aqui ao engano.

Só num país como Portugal é que a morte de um jogador de futebol enche telejornais quase inteiros, às 13 e às 20 horas, nos quatro canais generalistas, incluindo o canal público.
Mas que é que me interessam os constantes directos do caixão a caminho do Estádio? As pessoas a chorar e a dizer que o Eusébio fez mais por este país do que qualquer pessoa? Pseudo celebridades a atestar o quão boa pessoa o senhor era? E homens a espumarem-se todos porque a bandeira não estava a meia haste?

Não é de meu interesse nem de interesse nacional. Portanto sou obrigada a concluir que todo este tempo de antena se deve ao facto de o Eusébio ter sido um jogador importante do clube encarnado. E não é ressabiamento, mas ao contrário do que os adeptos gostam de dizer no êxtase orgásmico das suas dúbias vitórias, o benfica não é uma nação.

A cereja no topo do bolo foi mesmo uma peça da rtp1 em que o jornalista diz que o país inteiro foi dizer adeus ao Eusébio quando a imagem mostra grande parte do estádio vazio.

E ainda querem o corpo no Panteão Nacional!! 
Quando ainda tinha paciência para assistir a estes telejornais de trazer por casa vi um benfa de bigodito dizer que o Eusébio merecia porque fez muito pela cultura do futebol. Cultura do futebol… cultura do futebol!?! A pior das misérias é mesmo a intelectual...

Anda gente a passar fome, sem dinheiro para medicamentos, para pagar a luz e a água (este último assegurado como bem de primeira necessidade na Constituição Portuguesa), a dormir na rua. Andam os funcionários públicos a pagar as “vacas ao dono” porque são, em teoria, o tumor do país (os políticos corruptos não se inserem nesse grupo cancerígeno, como é óbvio), andam as pessoas a apertar um cinto que lhes afixia, mais do que a carteira, a alma. E, mesmo assim, os portugueses querem que o Estado gaste dezenas de milhares de euros para colocar o Eusébio no Panteão Nacional (e não fui eu que avancei com este valor, mas sim uma entendida do assunto durante o telejornal da rtp1).

E é esta mentalidade portuguesinha, alimentada pelos media simplistas, que nos arrasta a todos para as profundezas do subdesenvolvimento social.

Catarina Vilas Boas