terça-feira, 24 de dezembro de 2013

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Dos Hefner wannabes e das moças novas

Uma moça nova. Apanhou-me na estação, à espera do comboio, e começou a falar para mim como se fôssemos amigas de infância! Devo ter cara de boa pessoa... A cena é que não sou! Eu já não sei se ela se sentia sozinha ou se estava alterada. Dei por mim a tentar apurar, enquanto ela discursava sobre o carro que espetou contra a parede, se o hálito dela cheirava a álcool ou se os olhos estavam vermelhos. Não cheirava. E ninguém fica assim por fumar um cacete! Lá a despachei para entrar na carruagem a pensar que ela se ia deixar ficar sentadinha. Tá queto! Veio atrás de mim, como não poderia deixar de ser.

Ela queria sentar-se à minha beira, eu sei que queria! Mas eu não ando nisto há meia dúzia de dias. A mim não me apanham mais nesses filmes! Sou passageira velha guarda! Sentei-me logo num cubículo ocupado e pousei a bagagem no assento ao meu lado. Ela ainda parou. Por momentos pensei que ela se ia sentar junto ao passageiro que já lá estava anteriormente. Passou-me a minha vida toda em flashes pelos olhos. Fiquei esquálida! Depois de uns segundos de indecisão (que me pareceram horas) lá se decidiu pelo cubículo ao lado. Sentou-se, sacou de um livro qualquer, e começou a  ler. Segundos depois estava rir-se às gargalhadas. Sozinha. Aquilo parecia uma cena retirada do American Psycho.

Não sei se foi pelo seu riso jovial ou pela cara de princesa (porque nisto da vida há gostos para tudo) mas, o que é certo, é que o Hefner se sentou à beira dela. Ela com vontade de falar, ele com vontade de outras coisas. Juntou-se a sede à vontade de beber. Falaram da crise, dos chineses que iam invadir a Europa, do Seguro do PS, da Primark, do percurso que faziam no comboio. Enfim, paleios de saco!! A moça nova lá saiu em Famalicão e aí é que começou a música.

Haviam de o ver em acção... Um porco a caminho da matança não deve fazer tanto barulho como o que o Hefner fazia a tossir. Parecia que queria executar tiro ao alvo com um pulmão! Ainda nos presenteou a todos com uma ida à porta e uma escarradela daquelas que parece que percorrem o corpo todo até chegar à boca. 

Eu atraio tolinhos, é a minha sina. E assim começou o meu dia...

Catarina Vilas Boas

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Das 2000


Devaneios de comboio #1 - Quando eu ____

Quando eu ____ fico estranha. Não estranha fisicamente, entenda-se. Ou se calhar até sim... Mas parece-me que fico  mesmo é estranha enquanto pessoa. Estranha para os outros. Que tudo aquilo que eu emano fica diferente. Tão diferente que chega a ser esquisito. Sinto que sou outra pessoa. Que a minha expressão muda, a minha postura, a minha voz, a maneira como ando, como me movimento - o meu comportamento inconsciente. Tão novo, tão recente. Distorcido! Já tão não de quem fui outrora. Há minutos atrás. 

Um cartoon. Sinto-me como um desenho animado da vida real. De cores esquecidas e traços simples. Se vissem um desses na rua, não ficavam a olhar? Ficavam. E sentindo-me eu um desses, sinto igualmente todos vocês a olharem. Não me sinto assim com as minhas pessoas, só com as outras. Com aquelas que me obrigam a vestir uma determinada máscara social. Com os desconhecidos da minha vida que são tantos e aos molhos. Com os que vagueiam pelas minhas ruas, as verdadeiras e as da vida, atarefados nos afazeres do quotidiano adulto juvenil.  Com os que não conheço nem me interessa conhecer e que, mesmo assim, sempre que os encontro, me exigem silenciosamente um "Olá!", um aceno de cabeça, um "Tá tudo bem?" e, na pior das hipóteses, dois beijinhos porque é da praxe e da boa educação. Eu sinto-me estranha com os que me são estranhos. Sinto não! Fico.

Porque é que exigimos um sinal de reconhecimento de alguém que não nos conhece? Como é que chegámos a isso? Certamente não somos naturalmente assim: hipócritas, vendidos às convenções sociais e enterrados em sorrisos falsos e palavras sem sabor. Será qualquer coisa longínqua como medo do desconhecido? Desconfiança. Aguçada a cada trago inflamado de ilusão. 

Nessas alturas, mais do que nunca, tudo isto faz sentido.
Catarina Vilas Boas

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Das noções de moda de um espantalho

Oh amigo, tudo bem que tens a mania que és desportista, mas calções brancos pelo joelho e leggins pretas por baixo, a ver-se o tornozelo, é algo que nem às mulheres é permitido! Para finalizar o modelito só mesmo essas sapatilhas azul eléctrico de bradar aos céus. Corrige-me se estiver errada, mas não fariam umas calças de fato de treino o mesmo efeito e muito mais sentido?

Uma coisa é certa: se o Karl andasse de comboio, tu tinhas-lhe dado um ataque cardíaco. 

Catarina Vilas Boas

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Da lágrima alheia

Isto das viagens de comboio não é só alegria. Nestas que já conto (e que não são poucas, convenhamos) posso dizer que presenciei um número alarmante de crises de choro. Elas já são tantas que não posso mais fingir que não existem...

Percebam do que falo: uma crise de choro não é aquela sonora, repleta de lágrimas de crocodilo usadas e abusadas em busca de atenção gratuita. Não. Não estou a falar de choros de criança ou de pitas que pensam que o namorado labrego é o Romeu do séc. XXI. Não. Estou a falar de gente adulta com problemas também eles adultos. Estou a falar de lágrimas barulhentas no seu silêncio e tão fugidias que nem a presença de um estranho consegue parar. Estou a falar de pensamentos doridos demais, que lavam faces carregadas como a água de um chuveiro. Estou a falar de tokens de insegurança, aos milhares, arrecadados. Que nascem da nostalgia e de pensamentos que se criam nos minutos mortos de uma viagem e de um desespero que não parece ter fim. Pais, mães, novos, velhos, pessoas que dependem e fazem depender de si mesmos. Cansados. Do casamento falhado, dos cortes, dos impostos, do chocolate ou tempo que não podem dar aos filhos, das feridas físicas e espirituais que não cicatrizam, da saudade de uma vida mais fácil, da violência do dia-a-dia, da chegada - que nunca mais é - a um porto de abrigo onde estão os tempos áureos, o final da crise, a cura para o cancro, a luz ao final do túnel de que todos falam há tanto tempo e ninguém viu. Ninguém vê.

Uma lágrima alheia faz-nos colocar toda uma vida em perspectiva. Em segundos aquilo que parecia tão importante deixa de o ser. Os problemas não são assim tão grandes. Tão incontornáveis. Tenho um tecto, comida, roupa, estudos (porque posso - há quem os queira e não possa), e tantos outros "tesouros" materiais que almejei em tempos e me são, agora que os possuo, inúteis, irrelevantes, desprezíveis nesta era de consumo descartável. Que é que me falta, afinal? Nada. 

Nunca chorei no comboio. Mas há quem chore.

Catarina Vilas Boas

sábado, 7 de dezembro de 2013

Dos tipos de picas

Com o segundo semestre à porta as minhas viagens de comboio vão ser reduzidas a apenas duas por semana. Entre o Marketing Político e o Seminário de Comunicação Política resta-me a esperança de que os próximos meses nasçam repletos de novas experiências e situações caricatas, significativas o suficiente de ser aqui mencionadas. Confesso que tenho feito uma enorme ginástica para as encontrar, nos últimos tempos. O mau presságio que me assolou a alma de blogger no início do Outono (e que podem ver aqui) revelou-se mais verdadeiro do que alguma vez supus. O frio, as árvores nuas, o vento, a chuva, as tardes sombrias e o negrume menos tardio das noites, os corpos baralhados por lãs grossas, as cabeças envoltas em headhones, smartphones, tablets e livros de auto-ajuda não me ajudaram lá muito na minha missão de actualizar, a cada viagem, este canto virtual. Fiz o meu melhor. Como dizem os versos dos lenços dos namorados que a minha mãe colecciona religiosamente em chávenas, pratos, quadros e lenços propriamente ditos: "Não tenho mais que te dar, nem tu mais que me pedir".

E se as minhas aulas de Métodos de Investigação da Comunicação me ensinaram alguma coisa foi que, em qualquer trabalho de investigação, temos de acrescentar algo de novo, fornecer conhecimento, deslumbrar mentes sequiosas de saber. Vamos então fingir que isto é um trabalho de investigação e vocês sedentos de ler as minhas palavras de sabedoria e eu vou partilhar convosco aquela que considero a minha maior descoberta catedrática nas minhas idas e voltas: as tipologias de picas da CP.

Podemos dividir os picas em 4 tipos:
  • Os Darth Vather - São aqueles que nunca deveriam ter um emprego que envolvesse relações públicas. São grosseiros, rudes, caminham pelos corredores com passos pesados, caras mais pesadas ainda. Não dão bom dia, nem boa tarde, nem boa noite. Sisudos no seu quotidiano, estendem a mão à procura de um qualquer passe e entreolham-nos com desconfiança aguçada sempre que a maquineta que carregam na mão, qual espada justiceira, não consegue ler o cartão à primeira.
  • Os Avô da Heidi - Parecem maus, têm cara de maus, mas são, no fundo, uns corações moles. São aquele tipo de pica que é capaz de vender um bilhete já no comboio, que perdoa a falta de uns míseros cêntimos e deixa que a dívida seja quitada no dia seguinte, que não vê necessidade de fazer referência ao contrato que assinámos só porque nos esquecemos ou não tivemos tempo de validar o cartão. São austeros, mas é tudo fachada. Percebem que a vida são instantes e que nem tudo são regras invioláveis.
  • Os Box of Chocolate do Forrest Gump - Tenho um carinho especial por este tipo de pica. Dão vida e sentido à famosa frase do Forrest: "Life is like a box of chocolate, you never know what you're gonna get". Uns podem achar que eles são imprevisíveis, quiçá bipolares. Mas para mim, que gosto da coisa apimentada, são puros ferrero rocher - cheios de camadas deliciosas de saborear. Tanto estão de trombas e não se lhe vê os dentes a não ser para nos moerem o juízo com alguma qualquer interjeição, como nos dão uma palmadinha metafórica de conforto através de uma palavra hospitaleira e um sorriso acolhedor.
  • Os Snow White - São pura e incontornávelmente boas pessoas. Por isso abusam deles. No dia em que encontrar uma boa pessoa que não seja constantemente ridicularizada nas catacumbas pessoais de cada ser, vou passar a acreditar na utopia de que podemos viver num mundo melhor. As pessoas confundem bondade com burrice. Estes picas sorriem, dão gargalhadas, andam como quem dança, ligeiros, comentam o tempo e cumprimentam a gente. Se nos vêm cobertos até às orelhas perguntam se está muito frio porque querem mesmo saber, perdoam um pé ocasional no assento da frente porque sabem que o dia já nos pesa, acordam as pessoas com um gentil toque e uma palavra sussurrada. São príncipes!!
Estejam atentos, quando andarem de comboio, e vejam lá se não tenho razão.

Catarina Vilas Boas


P.S.: Se até a mim me acontece (e sou eu que escrevo isto), imagino a quantidade de internautas por aí que lê picas com ç.
P.S.S.: Agora que penso nisso, se calhar esta tipologia também se podia aplicar às picas com ç...

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Da minha infância problemática

Quando era pequena era cantora.
Todos os natais era ver-me a subir para um banco inteiriço enorme de madeira (que a minha avó mandava pôr na cozinha para que a família toda pudesse comer sentada), onde encorporava, qual Tina Turner, um vasto reportório de canções e respectivas coreografias. Lembro-me de cantar aquela do "na praia, num barco, num farol apagado", e de ter dançado "É o bicho, é o bicho, vou-te devorar" no casamento da minha prima, em pleno altar, enquanto a outra menina das alianças (sim, porque eu e ela éramos as meninas das alianças) me olhava petrificada de vergonha alheia e preplexa de horror face à minha proposta de que ela também entrasse na performance (eu tinha um atraso)! E o pior de tudo é que o casamento estava, obviamente, a ser filmado e a minha demência ficou para sempre registada em vhs.

Mas a minha maior performance, aquela que fazia as minhas tias chorarem (de riso) e o meu tio pedir-me bis, aquela em que eu arrancava uma onda de aplausos contagiante e crescente digna de um autêntico concerto dos The Doors, aquela que movia multidões (da sala para a cozinha), que fazia todo o clã vibrar aos meus pequeninos pés, ao rubro em redor do meu (e só meu) palco improvisado, era (tchan tchan tchantchan)... a "Mãe querida, mãe querida".

Eu passava a vida a cantar aquela merda! Eu era "mãe querida, mãe querida" enquanto andava de baloiço, enquanto brincava sozinha feita renegada como filha única que sou, "do melhor que a gente tem". Toda uma letra grasnada no decorrer das diversas actividades quotidianas que compunham os meus atarefados dias de criança.

Ainda hoje, admito, sei a letra de cor e relembro, com nostalgia, os olhos embevecidos e marejados de lágrimas da minha própria mãe sempre que eu lhe atirava com a canção à cabeça. Nessa altura é que a minha mãe gostava mesmo mesmo de mim!! Agora só me tolera. Não posso deixar de me questionar se não será por vingança que ela me apresenta batatas cozidas para jantar, quando eu venho do Porto esgalfada de fome... "Ai já não cantas para mim? Então mama aí batatas".

Lembrei-me de tudo isto porque hoje, após um longo discurso de incoerência típico de quem não está bom da cabeça, um passageiro começou a cantar a dita cuja para todos aqueles que o quisessem ouvir (e para os que não quisessem também). Parecia um rouxinol. O orgulho do artista fez-me recordar uma panóplia de actuações, há muito escondidas  nos recantos das minhas memórias mais embaraçosas. O mais estranho disto tudo é que ele estava a ouvir, através dos seus bem abençoados headphones, a música a passar na rádio...
Mas que raio de estação é que ainda passa a "Mãe querida, mãe querida"??

Catarina Vilas Boas

P.S.: E o Dean Norris no 5 para a  meia noite?! Que qualité! Nossa, as saudades que eu tenho de Breaking Bad.