Quando eu ____ fico estranha. Não estranha fisicamente, entenda-se. Ou se calhar até sim... Mas parece-me que fico mesmo é estranha enquanto pessoa. Estranha para os outros. Que tudo aquilo que eu emano fica diferente. Tão diferente que chega a ser esquisito. Sinto que sou outra pessoa. Que a minha expressão muda, a minha postura, a minha voz, a maneira como ando, como me movimento - o meu comportamento inconsciente. Tão novo, tão recente. Distorcido! Já tão não de quem fui outrora. Há minutos atrás.
Um cartoon. Sinto-me como um desenho animado da vida real. De cores esquecidas e traços simples. Se vissem um desses na rua, não ficavam a olhar? Ficavam. E sentindo-me eu um desses, sinto igualmente todos vocês a olharem. Não me sinto assim com as minhas pessoas, só com as outras. Com aquelas que me obrigam a vestir uma determinada máscara social. Com os desconhecidos da minha vida que são tantos e aos molhos. Com os que vagueiam pelas minhas ruas, as verdadeiras e as da vida, atarefados nos afazeres do quotidiano adulto juvenil. Com os que não conheço nem me interessa conhecer e que, mesmo assim, sempre que os encontro, me exigem silenciosamente um "Olá!", um aceno de cabeça, um "Tá tudo bem?" e, na pior das hipóteses, dois beijinhos porque é da praxe e da boa educação. Eu sinto-me estranha com os que me são estranhos. Sinto não! Fico.
Porque é que exigimos um sinal de reconhecimento de alguém que não nos conhece? Como é que chegámos a isso? Certamente não somos naturalmente assim: hipócritas, vendidos às convenções sociais e enterrados em sorrisos falsos e palavras sem sabor. Será qualquer coisa longínqua como medo do desconhecido? Desconfiança. Aguçada a cada trago inflamado de ilusão.
Nessas alturas, mais do que nunca, tudo isto faz sentido.
Catarina Vilas Boas
Gostei da hipótese dessa qualquer coisa longínqua, como medo do desconhecido. Mas acho que isso de exigir o reconhecimento tem mais que ver com a necessidade que sentimos de aparecer aos outros. Se não aparecemos a alguém, vamos ficando ninguém. Isso assusta-nos.
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