segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Devaneios de comboio #1 - Quando eu ____

Quando eu ____ fico estranha. Não estranha fisicamente, entenda-se. Ou se calhar até sim... Mas parece-me que fico  mesmo é estranha enquanto pessoa. Estranha para os outros. Que tudo aquilo que eu emano fica diferente. Tão diferente que chega a ser esquisito. Sinto que sou outra pessoa. Que a minha expressão muda, a minha postura, a minha voz, a maneira como ando, como me movimento - o meu comportamento inconsciente. Tão novo, tão recente. Distorcido! Já tão não de quem fui outrora. Há minutos atrás. 

Um cartoon. Sinto-me como um desenho animado da vida real. De cores esquecidas e traços simples. Se vissem um desses na rua, não ficavam a olhar? Ficavam. E sentindo-me eu um desses, sinto igualmente todos vocês a olharem. Não me sinto assim com as minhas pessoas, só com as outras. Com aquelas que me obrigam a vestir uma determinada máscara social. Com os desconhecidos da minha vida que são tantos e aos molhos. Com os que vagueiam pelas minhas ruas, as verdadeiras e as da vida, atarefados nos afazeres do quotidiano adulto juvenil.  Com os que não conheço nem me interessa conhecer e que, mesmo assim, sempre que os encontro, me exigem silenciosamente um "Olá!", um aceno de cabeça, um "Tá tudo bem?" e, na pior das hipóteses, dois beijinhos porque é da praxe e da boa educação. Eu sinto-me estranha com os que me são estranhos. Sinto não! Fico.

Porque é que exigimos um sinal de reconhecimento de alguém que não nos conhece? Como é que chegámos a isso? Certamente não somos naturalmente assim: hipócritas, vendidos às convenções sociais e enterrados em sorrisos falsos e palavras sem sabor. Será qualquer coisa longínqua como medo do desconhecido? Desconfiança. Aguçada a cada trago inflamado de ilusão. 

Nessas alturas, mais do que nunca, tudo isto faz sentido.
Catarina Vilas Boas

1 comentário:

  1. Gostei da hipótese dessa qualquer coisa longínqua, como medo do desconhecido. Mas acho que isso de exigir o reconhecimento tem mais que ver com a necessidade que sentimos de aparecer aos outros. Se não aparecemos a alguém, vamos ficando ninguém. Isso assusta-nos.

    ResponderEliminar