terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Da lágrima alheia

Isto das viagens de comboio não é só alegria. Nestas que já conto (e que não são poucas, convenhamos) posso dizer que presenciei um número alarmante de crises de choro. Elas já são tantas que não posso mais fingir que não existem...

Percebam do que falo: uma crise de choro não é aquela sonora, repleta de lágrimas de crocodilo usadas e abusadas em busca de atenção gratuita. Não. Não estou a falar de choros de criança ou de pitas que pensam que o namorado labrego é o Romeu do séc. XXI. Não. Estou a falar de gente adulta com problemas também eles adultos. Estou a falar de lágrimas barulhentas no seu silêncio e tão fugidias que nem a presença de um estranho consegue parar. Estou a falar de pensamentos doridos demais, que lavam faces carregadas como a água de um chuveiro. Estou a falar de tokens de insegurança, aos milhares, arrecadados. Que nascem da nostalgia e de pensamentos que se criam nos minutos mortos de uma viagem e de um desespero que não parece ter fim. Pais, mães, novos, velhos, pessoas que dependem e fazem depender de si mesmos. Cansados. Do casamento falhado, dos cortes, dos impostos, do chocolate ou tempo que não podem dar aos filhos, das feridas físicas e espirituais que não cicatrizam, da saudade de uma vida mais fácil, da violência do dia-a-dia, da chegada - que nunca mais é - a um porto de abrigo onde estão os tempos áureos, o final da crise, a cura para o cancro, a luz ao final do túnel de que todos falam há tanto tempo e ninguém viu. Ninguém vê.

Uma lágrima alheia faz-nos colocar toda uma vida em perspectiva. Em segundos aquilo que parecia tão importante deixa de o ser. Os problemas não são assim tão grandes. Tão incontornáveis. Tenho um tecto, comida, roupa, estudos (porque posso - há quem os queira e não possa), e tantos outros "tesouros" materiais que almejei em tempos e me são, agora que os possuo, inúteis, irrelevantes, desprezíveis nesta era de consumo descartável. Que é que me falta, afinal? Nada. 

Nunca chorei no comboio. Mas há quem chore.

Catarina Vilas Boas

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